Potencializando a acessibilidade por meio comunidades online
Nos últimos anos, testemunhamos um crescente reconhecimento da importância da acessibilidade digital. Para muitos, a web se tornou não apenas uma plataforma de entretenimento e informação, mas também um meio essencial de acesso a serviços, educação e oportunidades. Nesse contexto, as comunidades online e os webrings desempenham um papel importante na melhoria e desenvolvimento contínuo de tecnologias acessíveis.
Profissionais de acessibilidade, designers e desenvolvedores se reúnem para compartilhar suas práticas, desafios e soluções. Esse ambiente colaborativo não apenas acelera o aprendizado individual, mas também impulsiona o avanço coletivo em direção a interfaces digitais mais inclusivas e acessíveis.
No entanto, com o avanço da tecnologia e o crescimento de grandes empresas com enorme poder de processamento e concentração da informação, a comunidade "enfraquece" - vou tentar ao longo do texto justificar essa afirmação.
No episódio 4 com o Bruno Pulis, conversamos sobre o Webring e a IndieWeb, talvez uma oportunidade (ainda que muito fraca) de resistir a esse enfraquecimento da comunidade e fortalecer a criação de novas comunidades.
O que é um Webring?
Webring é um conceito antigo da internet criado por Denis Hower e pelo Sage Weil lá em meados de 1994-1995, para criar uma coleção de sites relacionados que estão interconectados por meio de links. Cada site na Webring possui um botão de navegação que permite aos visitantes passarem para o próximo site na sequência.
Essa ideia era uma forma de criar uma rede de sites com interesses semelhantes, facilitando a descoberta de conteúdo relacionado para os usuários. Os webrings eram frequentemente organizados em torno de temas específicos, como tecnologia, literatura, arte, entre outros. Eles eram populares antes do surgimento das redes sociais e dos mecanismos de busca modernos, quando a descoberta de conteúdo dependia muito mais de links entre sites.
Em uma pesquisa no GitHub com o termo “webring”, levantei rapidamente diversos assuntos, associados a tecnologia: programadores de PHP, fãs do CSS, designers e desenvolvedores, profissionais que trabalham com computação, dos entusiastas da IndieWeb, profissionais de TI da Filipinas e de assuntos diversos como vampiros e criaturas da noite, amantes das artes góticas, mulheres, pessoas assexuadas e de geek.
A IndieWeb
Alinhada a esse conceito, surge a IndieWeb, um movimento que visa tornar a web mais independente e descentralizada, com os indivíduos controlando seus próprios dados e conteúdo. O movimento se baseia na ideia de que as pessoas devem possuir e controlar suas próprias presenças online, em vez de depender de plataformas centralizadas que podem ter seus próprios interesses comerciais. O genial Tim Berners-Lee tem um projeto com uma ideia semelhante, chamado Solid - vale ficar de olho! 😉
Princípios
Posse dos Dados: em vez de publicar conteúdo exclusivamente em plataformas de redes sociais como Facebook ou Twitter, as pessoas devem publicar em seus próprios sites e ter controle sobre esse conteúdo.
Interoperabilidade: promove o uso de tecnologias e padrões abertos que permitem a interoperabilidade entre sites independentes.
Descentralização: em vez de confiar em um número pequeno de grandes plataformas centralizadas, a IndieWeb defende uma rede de sites interconectados que são independentes e autônomos, enfraquecendo o controle da informação por meio de grandes empresas e o uso de algoritmos de filtragem!
Independência: encoraja a independência de plataformas comerciais, permitindo que os indivíduos mantenham sua presença online mesmo que uma plataforma específica desapareça ou mude suas políticas.
Ferramentas e tecnologias
O movimento utiliza várias iniciativas para promover esses princípios.
Microformats: pequenos pedaços de código HTML que permitem que informações como eventos, contatos e publicações sejam facilmente compartilhadas e entendidas entre sites diferentes.
Webmentions: protocolo que permite que os sites notifiquem mutualmente quando um conteúdo é mencionado ou referenciado, facilitando as conversas entre diferentes sites.
POSSE (Publish (on your) Own Site, Syndicate Elsewhere): prática em que o conteúdo é publicado primeiro no próprio site do autor e depois distribuído para outras plataformas, garantindo que o autor mantenha a posse do conteúdo original.
IndieAuth: sistema de autenticação descentralizado que permite que os usuários façam login em sites usando sua própria identidade web.
Benefícios
Controle e autonomia: indivíduos mantêm controle total sobre seu conteúdo, dados e identidade online.
Resiliência: descentralização torna a web mais resistente a mudanças nas políticas e falhas das plataformas centralizadas.
Comunidade: a IndieWeb promove uma comunidade de criadores que compartilham conhecimento e ferramentas para construir uma web mais independente.
IndieWeb e Acessibilidade
O movimento IndieWeb também pode beneficiar a acessibilidade digital. Ao promover a posse dos dados e a independência de plataformas centralizadas, os criadores de conteúdo podem garantir que suas páginas sejam acessíveis e atendam às necessidades de todos os usuários, incluindo aqueles com deficiências. Ferramentas e padrões abertos permitem uma maior personalização e adaptação das tecnologias assistivas.
Benefícios das comunidades e de Webring
No mundo nada se faz só, e quando estamos falando sobre acessibilidade, trazemos junto a pauta da diversidade humana. Se alguém tem a intenção de se fazer acessível, essa acessibilidade não pode ser feita sozinha, ela precisa ser construída junto com essa comunidade que vai usá-la, por isso que essa comunidade se faz tão necessária nessa construção.
Consigo citar facilmente cinco motivos para que vocês se sintam estimulados a participar de comunidades, e em todos os casos, os tópicos principais desse espaço podem ser facilmente encaixados: acessibilidade, diversidade, inclusão e tecnologia.
1. Troca de experiências e conhecimentos: permitem que desenvolvedores, designers e profissionais da tecnologia compartilhem experiências, melhores práticas e soluções para desafios comuns. Isso promove uma aprendizagem colaborativa e acelera o desenvolvimento de tecnologias acessíveis.
Grupos como o A11y Project reúnem especialistas e entusiastas da acessibilidade para compartilhar insights e melhores práticas.
2. Feedback e revisão coletiva: ao fazer parte de uma comunidade, você tem a oportunidade de receber feedback construtivo e revisões coletivas de suas implementações. Isso ajuda a identificar áreas de melhoria e aprimorar continuamente as tecnologias acessíveis.
No WebAIM, os profissionais podem submeter seus sites para avaliação de acessibilidade, recebendo feedback especializado para melhorias.
3. Acesso a recursos e ferramentas: muitas vezes, as comunidades compartilham recursos valiosos, como bibliotecas de código, ferramentas de teste, guias de boas práticas e documentação detalhada. Isso facilita o acesso a recursos essenciais para o desenvolvimento de tecnologias acessíveis.
4. Colaboração em projetos conjuntos: por meio de comunidades, os profissionais podem colaborar em projetos conjuntos para criar soluções acessíveis mais robustas e abrangentes. Isso pode incluir o desenvolvimento de padrões, plugins, widgets e outras ferramentas específicas para melhorar a web e em outras plataformas.
5. Advocacia e conscientização: comunidades desempenham um papel valioso na advocacia e conscientização sobre a importância dos assuntos aos quais essas comunidades estão ligadas. Elas promovem discussões, eventos e iniciativas que ajudam a aumentar a conscientização e a impulsionar a adoção de boas práticas em toda a indústria da tecnologia.
Eventos como a Global Accessibility Awareness Day (GAAD) são promovidos por comunidades online para aumentar a conscientização sobre acessibilidade.
Webrings “modernos”
Webrings tentam encontrar seu lugar atualmente, embora não sejam comuns. Encontrar webrings sobre acessibilidade, diversidade e inclusão é um desafio, já que não existe uma ferramenta específica para isso. No entanto, quero destacar algumas comunidades:
WAI-ARIA Working Group: grupo de trabalho do W3C focado em padrões e diretrizes para tornar a web mais acessível através do uso de tecnologias como WAI-ARIA.
The A11y Project: “comunidade” online dedicada à acessibilidade na web, com membros que são escolhidos a dedo. Eles oferecem diversos recursos, guias e discussões sobre práticas e padrões de acessibilidade.
WebAIM Community: comunidade valiosa que se concentra em acessibilidade na web, com fóruns, lista de discussão, newsletter, cursos e materiais educacionais sobre como tornar a web mais acessível.
No momento em que escrevi esse texto, não encontrei uma comunidade brasileira, além de sites ótimos, que funcionam sozinhos e não como comunidades. O Web Pra Todos tem conteúdos riquíssimos, e no Medium você vai aprender bastante, mas o Medium é uma das razões para esses Webrings estarem voltando a ter notoriedade.
O perigo da concentração da informação em um só veículo
Embora os Webrings tenham perdido parte de sua popularidade com o tempo, alguns entusiastas ainda os mantêm ativos como uma forma nostálgica de compartilhar conteúdo na internet. Infelizmente, com o avanço da tecnologia e das inteligências artificiais, as empresas têm utilizado os materiais criados por profissionais diversos, porém, sem dar os devidos créditos.
Quando o Google assumiu o pódio e se tornou a ferramenta mais popular de pesquisa do planeta, aparecer nos resultados da pesquisa tornou-se um objetivo. Através de técnicas SEO, sites conseguiram ter relevância. Hoje, o Google tem se esforçado para utilizar o conteúdo de site e alimentar a inteligência artificial, a Gemini, veja o vídeo publicado no YouTube do Google.
O Renê Fraga compartilhou um ponto interessante sobre para onde estamos indo. O Google tem mudado de foco, e hoje, a “web”, ou seja, a pesquisa que nos leva a sites, está escondida em um menu chamado “mais”.
Ao entregar nossas produções intelectuais nas mãos dessas grandes empresas, perdemos o controle dessa produção. A IndieWeb e o Webring, no fundo, são sobre isso, é sobre construir das pessoas para as pessoas. O Rodrigo Ghedin do Manual do Usuário compartilhou em seu site um texto muito bacana trazendo à luz essa dependência danosa que sites, serviços e ferramentas digitais têm do Google.
A web não pode ser de uma empresa. Tim Berners-Lee revolucionou o planeta com a criação da WWW, e a sociedade não pode perder esse controle, ou melhor, dar esse controle para as grandes empresas.
Será que não é a hora de criamos um Webring brasileiro sobre acessibilidade e nos fortalecer como comunidade? Queria saber de você: já parou para pensar em tudo que compartilhamos nesse texto?
PS: Esse texto foi totalmente influenciado pelo Bruno Pulis pela publicação do Threads, o Foco Acessível faz parte de Webring de acessibilidade, no rodapé desse site estão 3 links. Já foram “perdidas” algumas horas conhecendo outros profissionais e com conteúdo muito bacana, conheci profissionais da acessibilidade que provavelmente não iria saber da existência se não fosse webring.
- Texto publicado em:
Obrigado por acompanhar até aqui! Inscreva-se em nossa newsletter (mandamos no máximos dois e-mails por mês 🥰), siga-nos nas redes sociais ( ) e nos principais serviços de streaming, até a próxima e lembre-se: acessibilidade é um assunto que cedo ou tarde vai impactar a sua vida!