
Acessibilidade é lei na Europa: o que o European Accessibility Act ensina ao Brasil
Acessibilidade digital deixou de ser só uma boa prática: agora é lei na União Europeia. E não é uma recomendação leve — estamos falando de punições financeiras reais para empresas que não tornam seus sites, aplicativos e produtos acessíveis. Desde junho de 2025, está em vigor o European Accessibility Act (EAA), uma diretiva que pode muito bem inspirar mudanças por aqui também.
Mas mais do que um alerta jurídico, o EAA é um convite para repensar o papel da acessibilidade na estratégia de produtos. Especialmente se você trabalha com design, tecnologia ou negócios digitais, o que está acontecendo na Europa pode ser uma chance de rever prioridades, conquistar aliados e defender investimentos que antes pareciam "secundários".
Se você ainda está tentando convencer sua liderança a investir em acessibilidade — ou se você é a liderança — vem comigo.
O que é o European Accessibility Act?
O EAA é uma diretiva da União Europeia aprovada em 2019 e que passou a valer, de fato, em 28 de junho de 2025. Ele exige que empresas que vendem produtos e serviços para consumidores europeus tornem seus produtos acessíveis — incluindo sites, apps, e-commerces, terminais de autoatendimento, e-books, caixas eletrônicos, e até serviços de transporte e telecomunicação.
O objetivo é simples: padronizar as exigências de acessibilidade em todos os países da União Europeia, o que antes variava de um país para outro. Na prática, isso significa que:
- Se você vende na Europa e seu app não é acessível, pode ser multado;
- Cada país da UE pode aplicar sanções separadamente;
- As penalidades variam, mas podem ser altas — em alguns casos, comparáveis às do GDPR (que chegam a 20 milhões de euros ou 4% da receita global da empresa, o que for maior).
Mesmo que sua empresa não atue na Europa, vale olhar para essa mudança como um termômetro de para onde o mundo está indo. E também como uma excelente oportunidade de trazer a conversa sobre acessibilidade para o centro da mesa.
Por que isso importa (mesmo para quem não vende para a Europa)
Talvez você esteja pensando:
"Ok, mas minha empresa só atende o Brasil. O EAA não me afeta, certo?"
Errado — e por dois grandes motivos:
1. Tendências globais ditam expectativas locais
Leis como o EAA e o GDPR criam um efeito dominó: mesmo que sua empresa não atue na Europa, as práticas exigidas por lá acabam influenciando o mercado inteiro. Plataformas globais, frameworks, bibliotecas e até clientes multinacionais começam a cobrar acessibilidade como padrão. E você não vai querer ficar pra trás.
Além disso, muitos usuários brasileiros vivem na Europa ou consomem serviços que seguem padrões internacionais. Isso eleva a régua de expectativa e muda a percepção de qualidade do seu produto.
2. Acessibilidade é um diferencial competitivo
Num mercado saturado, onde todo app parece igual, acessibilidade vira critério de escolha. Um site acessível carrega melhor, funciona em mais dispositivos, agrada mais perfis de usuários e reduz atrito. Ou seja: melhora conversão, fidelização e reputação.
E mais: quanto antes você começar, mais barato será manter a acessibilidade como parte do seu processo de design e desenvolvimento. Esperar uma lei bater na porta não é estratégia — é apagar incêndio.
3 motivos de negócio para investir em acessibilidade
Se falar em inclusão não convence seu time, aqui vão argumentos que mexem no bolso:
1. Evitar multas pode ser mais barato do que ignorar acessibilidade
O EAA prevê penalidades semelhantes às do GDPR: até 20 milhões de euros ou 4% do faturamento global. E como cada país da UE pode fiscalizar, você pode ser multado mais de uma vez.
Investir algumas horas da sua equipe, fazer testes de acessibilidade e aplicar boas práticas custa bem menos do que enfrentar sanções, retrabalho e desgaste de imagem.
2. Acessibilidade amplia seu mercado potencial
Alguns dados:
- 7% das crianças no mundo têm dislexia 1
- 8% dos homens brancos europeus têm daltonismo vermelho-verde 2
E isso sem contar pessoas com deficiência auditiva, baixa visão, neurodivergências, idosos, ou qualquer pessoa com limitação temporária.
Você quer mesmo deixar essas pessoas de fora?
Acessibilidade é porta de entrada para milhares de usuários que querem — e podem — usar seu produto, desde que ele esteja preparado para recebê-los.
3. Acessibilidade melhora a experiência para todo mundo
“Web accessibility: essential for some, useful for all.”
—W3C
Alguns exemplos:
- Comandos de voz: úteis para quem tem mobilidade reduzida ou está dirigindo;
- Legendas: essenciais para pessoas surdas, mas salvam quem está no metrô sem fones;
- Modo escuro: conforto para quem tem fotossensibilidade e para quem usa o celular à noite;
- Text-to-speech: fundamental para cegos, mas ótimo para ouvir artigos enquanto lava louça;
- Boa arquitetura de informação: ajuda pessoas neurodivergentes — e todo mundo que odeia se perder num app mal feito.
E o Brasil com isso?
A gente também tem leis — a principal delas é a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que obriga a acessibilidade em sites de empresas e órgãos públicos. Está em vigor desde 2015, mas pouco fiscalizada.
Em 2025, o Brasil deu um passo importante com a criação da ABNT NBR 17225:2025, norma técnica sobre acessibilidade em produtos digitais. Ela complementa a WCAG 2.1 nível AA, que já é o padrão global mais adotado.
Ou seja: a base já existe. E com a nova norma da ABNT, espera-se que ações judiciais e cobranças cresçam nos próximos anos.
Se sua empresa vende só no Brasil, vale seguir a WCAG + NBR 17225.
Se vende fora, já deveria estar fazendo isso há tempos.
Como começar: acessibilidade na prática
Acessibilidade não é um projeto com começo, meio e fim. É parte da qualidade do que você entrega.
Avalie onde você está: use ferramentas como WAVE, axe ou Lighthouse; teste navegação por teclado e leitores de tela; faça testes com pessoas com deficiência.
Use os padrões certos: a WCAG 2.1 AA é a principal referência; ela é usada no EAA e na norma brasileira da ABNT.
Crie uma cultura acessível: Adicione critérios de acessibilidade no backlog; Faça revisões com foco em inclusão; Engaje design, devs, QA e conteúdo.
Fechando a conta: acessibilidade é qualidade, estratégia e justiça
A chegada do European Accessibility Act mostra que o mundo está levando acessibilidade a sério. E a gente também deveria.
Você não precisa saber tudo para começar. Precisa só dar o primeiro passo com intenção e responsabilidade. Aprender aos poucos. Incluir. E melhorar.
“[...] Leva 4 horas para aprender o suficiente para começar a desenvolver de forma acessível. Em uma semana, você já será competente em várias áreas.”
— Sheri Byrne-Haber 3
Links úteis
Se aprofunde no conteúdo:
- WCAG 2.1 em português – Guia WCAG
- Texto oficial da European Accessibility Act (em inglês)
- Ferramenta de auditoria gratuita: axe DevTools
- Giving a Damn About Accessibility – Sheri Byrne-Haber
- Web Accessibility Perspectives – vídeos curtos da W3C
Confira as referências:
- 1 Meta-analysis on the prevalence of dyslexia in children — Yang L, Li C, Li X, Zhai M, An Q, Zhang Y, Zhao J, Weng X. Brain Sciences. 2022; 12(2):240.
DOI: https://doi.org/10.3390/brainsci12020240 ↩ - 2 Worldwide prevalence of red-green color deficiency — Jennifer Birch. Journal of the Optical Society of America A, 2012; Vol. 29, Issue 3, pp. 313–320.
DOI: https://doi.org/10.1364/JOSAA.29.000313 ↩ - 3 Giving a Damn About Accessibility ↩
- Texto publicado em:
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